A Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE) defendeu hoje que os cancelamentos de espetáculos ao vivo, anunciados nos últimos dias por algumas autarquias, não têm “qualquer fundamento”.
“Desde 01 de junho é possível fazer espetáculos ao vivo em Portugal, de acordo com as normas da DGS [Direção-Geral da Saúde], e foram realizadas entre 01 de junho e 13 de outubro mais de 12 mil atividades culturais, de forma exemplar. O que está a acontecer nestes últimos dias é que algumas autarquias pedem pareceres aos delegados de saúde locais, que dão pareceres negativos, e as autarquias cancelam os espetáculos, na nossa opinião sem qualquer fundamento”, afirmou Sandra Faria, da APEFE, em declarações à Lusa.
Portugal Continental entrou às 00:00 de quinta-feira em situação de calamidade, devido ao aumento do número de casos de covid-19, com novas regras restritivas para travar a expansão da pandemia. A situação de calamidade vai manter-se, pelo menos, até 31 de outubro, altura em que o Governo fará uma reavaliação.
Apesar disso, as normas em relação à realização de espetáculos mantêm-se inalteradas, como confirmou à Lusa fonte oficial da Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC).
“Em relação às normas contidas na orientação da DGS n.º 028/2020 para a realização de espetáculos em equipamentos culturais, não temos conhecimento de qualquer alteração, mantendo-se a mesma ativa no site da DGS, sendo que a resolução do Conselho de Ministros, publicada no passado dia 14 de outubro, mantém intacta a redação anterior relativamente aos eventos culturais, observando-se as regras definidas na citada orientação”, lê-se numa resposta da IGAC enviada à agência Lusa.
Na quinta-feira, a Câmara Municipal do Porto anunciou, em comunicado, que, “no seguimento de um parecer desfavorável da Administração Regional de Saúde do Norte/Agrupamento de Centros de Saúde do Porto Ocidental, relacionado com o atual contexto epidemiológico, a agenda do programa Cultura em Expansão para este fim de semana teve de ser alterada”.
Segundo a autarquia, “as novas restrições pandémicas levaram, infelizmente, ao cancelamento” do concerto de Lena d’Água que deveria decorrer no sábado na Associação de Moradores do Bairro Social da Pasteleira.
De acordo com informação disponível na página do evento na rede social Facebook, este espetáculo teria “lotação limitada” e seria “realizado caso as regras impostas nesse período assim o permitam, e sempre seguindo as normas de segurança impostas pela DGS em vigor à altura do espetáculo”.
Além disso, a peça de teatro “Colecção de Amantes”, de Raquel André, marcada para o Auditório do Grupo Musical de Miragaia, irá decorrer sem público e com transmissão ‘online’.
Mais a Norte, em Guimarães, há outros espetáculos que vão decorrer sem público, ao contrário do inicialmente anunciado.
“A Oficina, cooperativa cultural vimaranense responsável pela organização do evento Westway Lab, foi desaconselhada pela Autoridade de Saúde a realizar os concertos com a presença de público, previstos para as noites de 15, 16 e 17 de outubro, no âmbito da 7.ª edição deste evento, bem como a sessão do Cineclube de Guimarães agendada para o dia 18 de outubro”, lê-se num comunicado divulgado pela Oficina na quinta-feira, na qual aquela estrutura garantia cumprir “todas as normas emitidas pela DGS”.
Na quarta-feira, a Câmara Municipal de Guimarães anunciou que a realização de eventos em equipamentos culturais do município e espaços públicos da cidade apenas seria autorizada, a partir desse dia, mediante um parecer vinculativo da Autoridade de Saúde.
Esta decisão tinha sido aprovada na terça-feira em reunião extraordinária da Comissão Municipal de Proteção Civil e “resulta da situação epidemiológica que atualmente se verifica no concelho, obrigando à adoção de medidas mais restritivas do que aquelas que atualmente estão previstas no quadro legal”.
Esta reunião foi convocada depois da polémica gerada em torno de um espetáculo no Multiusos de Guimarães, em 09 de outubro, com os humoristas Hugo Sousa, Ana Garcia Martins (Pipoca mais Doce) e Nilton.
Para Sandra Faria, “estas situações só trazem contaminação a outras autarquias, desinformação da opinião pública, crescimento de medos e receios sem qualquer tipo de fundamento e sem sentido”.
“O Governo já está a par desta situação, mas são as autarquias que definem estes cancelamentos quando são promotores desses espetáculos e desses eventos. Se for um promotor privado, já a autarquia não pede parecer ao delegado de saúde pública”, explicou a dirigente da APEFE.
A associação sabe “de outros locais que estão a seguir este exemplo”, de cancelarem espetáculos.
“Quanto a nós é um exemplo que não faz sentido. Há uma lei, há regras estipuladas, há um guia de boas práticas, há um guia de segurança. Todas as salas estão a cumprir. Porquê isto agora?”, questionou.
Sandra Faria salienta que “as pessoas irem a uma sala de espetáculos, ou a um recinto que está com as normas implementadas, é mais seguro do que ir a um supermercado”.
“Todos tivemos que nos adaptar a estas novas regras de funcionamento, que têm sido exemplares nas atividades culturais”, disse.
Em Cantanhede, a Câmara Municipal decidiu cancelar a Festa d’Anaia, que deveria decorrer hoje e no sábado em Pena.
“Na quinta-feira da semana passada, foi-nos comunicado pela Câmara Municipal de Cantanhede o parecer positivo relativamente ao Plano de Contingência para a Festa d´Anaia e foi-nos dada luz verde para avançarmos com o evento. […] Hoje, com muito pesar, recebemos uma péssima notícia. Foi-nos comunicado pela Câmara Municipal de Cantanhede que […] a Festa D’Anaia teria de ser (novamente) cancelada”, lê-se num comunicado divulgado na quarta-feira pela organização.
A organização ficou surpreendida com esta decisão, garantindo ter trabalhado “muito para apresentar um plano sério, seguro e responsável, que foi aprovado pelas autoridades competentes há menos de uma semana”.
Em Santa Maria da Feira, a situação é diferente. Na quarta-feira, ficou a saber-se que “todos os eventos” seriam cancelados por 14 dias naquele concelho. Mas a informação partiu da coordenação local de saúde, que anunciou que o cancelamento se verifica “atendendo à situação epidemiológica no país e, em particular, na região Norte, por decisão da DGS e da Administração Regional de Saúde do Norte, devidamente enquadrada na Avaliação de Risco efetuada por este serviço ao concelho de Santa Maria da Feira”.
O presidente da Câmara Municipal da Feira, reconhecendo que a situação epidemiológica no concelho exige “precaução”, opõe-se a medidas generalistas, que não analisem a especificidade das condições de realização de cada iniciativa concreta.
“Não concordo nada com esta medida de se cancelarem todos os eventos porque a obrigação das autoridades de saúde é fazer uma avaliação de risco evento a evento e apresentar medidas de segurança para cada um. Se, em algum caso, for detetado risco, o que lhes compete é recomendar aos organizadores as medidas preventivas a tomar”, disse Emídio Sousa, em declarações à Lusa.
Emídio Sousa defendeu que a DGS está a ser particularmente dura com o setor cultural, quando outras atividades, embora sujeitas a mais riscos, se revelam “muito menos” controladas.
“Esquecem-se que as pessoas da Cultura têm o mesmo direito a viver e a trabalhar do que as outras. Cultura é trabalho e este setor não pode ser o único castigado”, argumentou o autarca do PSD.